Enfim a Operação Elba teve fim
Depois de mais de dois anos de exílio em um apartamento enorme em Santo André, enfim voltando para São Paulo.
Minha vida financeira havia ficado congelada na expectativa de um evento: vender um apartamento usado e enorme no centro de São Paulo. Um apartamento em andar baixo, sem vaga de garagem e em um prédio sem lazer como já ouvi de uma corretora de imóveis. Um elefante branco.
O valor que pedíamos era o do metro quadrado da região. Acharam caro. Queriam que vendêssemos pelo valor próximo ao de compra lá de 2013, a que eu me opus com veemência.
E assim ficou o apartamento aguardando venda por dois anos.
Nesse tempo ficou desocupado, os custos correndo nas minhas costas e ainda pagando aluguel em Santo André. E nada de vender São Paulo. Como falei, isso congelou minha vida financeira: mais de 7000 eram gastos só com moradia todo mês e do restante era difícil guardar 2000 reais. Planos para o futuro: zero. Idéias: zero.
Tudo vinculado à venda do apartamento.
Solitude
Vou dizer: Solitude, às vezes, é solidão. E nessas horas a gente ouvia áudios que havia gravado para si próprio para essas horas. Conversava com cachorros. Escrevia. Gravava vídeos. Se segurava para não pirar.
Durante a semana até tinha as conversas profissionais do trabalho, mas sempre chegava o domingo à noite. O maldito domingo à noite. Aonde todas as pústulas estouravam a uma e vc não era nada além de um amontoado de feridas sangrando.
Foi uma jornada de isolamento que me permitiu conhecer melhor a mim e a todas as pessoas que aqui coabitam.
Que me lançou em uma escavação arqueológica aonde buscava aquele eu de 7 anos atrás, James Cleverson McBryan, o Filho Astuto de Bryan, enterrado em algum lugar sob os escombros de Josiel.
Era um arqueólogo solitário em uma expedição maldita.
Cheguei aos meus 42 anos. Queria fazer um aniversário temático e o tema seria "O Guia do Mochileiro das Galáxias".
Hão de concordar que essa chance a gente só tem uma vez na vida.
Mas ao invés disso saí bêbado de um bar à meia noite com um momento firme de lucidez: o de não deixar nada mais atrasar minha vida.
Reconquista
Comecei a reconquistar minha vida.
Começando pelo meu corpo: passei de 120kg no início do ano a 100kg seis meses depois. E ainda chegaria aos 90kgs na pandemia e hoje, dois anos depois, estou nos 87 e ainda buscando emagrecer mais.
Como se chega aos 120kgs? É fácil, isso acontece muito quando vc desiste de si próprio e eu havia desistido de mim.
Desistido de qualquer idéia de futuro. Apenas comer, beber, e aguardar o infarto que, eu tinha absoluta certeza, estava esperando por mim. Dor na lombar era quase todos os dias (tenho escoliose múltipla). Disposição para fazer qualquer coisa: zero.
Emagreci com controle alimentar e academia. Tá bom que a academia foi mais para preparar minha musculatura para o peso que eu tinha do que para perder peso, mas prossegui com ela. Treino leve, sem exageros. Recusava a mudar de série e aquela eu já fazia de olhos fechados, se quisesse. A idéia não era para ficar musculoso, a idéia era hackear meu cérebro e injetar uma coisa muito mais poderosa: um hábito. Passar do estado "precisar ir na academia" para o "sentir falta da academia".
As pessoas que me vêem hoje perguntam:
- se eu fiz cirurgia;
- se eu fiquei doente; :D
E todas se espantam ao saber que emagreci sem nada disso.
Bem, hoje não tenho mais dor na lombar. A disposição enfim está acima do meu orçamento (ahahah) e não me sinto mais preso em um sarcófago de carne. Postei fotos do processo no perfil do Josiel. Visto de longe parece um processo simples de emagrecimento. Mas esse foi um processo poderoso. Quando vc consegue uma coisa dessas alguma coisa muda em vc: vc começa a acreditar em si próprio.
Laura
Durante as escavações nos subterrâneos de mim mesmo fui buscando as músicas que eu ouvia. Os vídeos. O que eu escrevia. Nada daquilo me tocava e isso me dava um desespero que não se conseguia traduzir nem em lágrimas. Eu sentia nada, era nada.
E para minha surpresa essa escavação trouxe à superfície um tesouro inimaginável, na forma de uma pessoa há muito perdida.
No início achei que era um personagem. Mas personagem nenhum que eu tivera, nem os mais ricos surgiram de dentro. Os personagens mais elaborados que eu tinha estavam guardados em uma pasta havia mais de década e não eram interpretados.
Mas era diferente com Laura. Ela exigia seu espaço. Eu precisava trazê-la, pô-la em Terra plena e bela. Por vezes ela irrompia até sem eu querer. Mas eram arroubos adolescentes. Laura nascera. Estava conquistando seu lugar ao Sol.
A Ilha de Elba
A Ilha de Elba foi o lugar de exílio de Napoleão. Após perder a campanha contra a Rússia (aprendam, crianças: NINGUÉM INVADE A RÚSSIA!) ele foi mandado para essa ilha aonde ficou em isolamento. E era essa figura que eu utilizava para representar meu exílio em Santo André. E eu a utilizava com um propósito sinistro: era aonde Napoleão morrera depois de anos de reinado. Eu via minha vida terminar em Santo André, e os preparativos haviam sido feitos. E começavam com a venda do apartamento de São Paulo.
Contudo, em dado momento (olhando direito o livro de História) me dei conta que o exílio nessa ilha foi apenas um período que ele passou antes de retornar à França e ao poder. Eu estava usando o símbolo, mas não havia entendido seu significado, o qual era simplesmente: I won't die here! And I won't die now!
I won't die here!
Em setembro de 2020 a idéia me tomou de assalto: voltar à França? Aonde França era o apartamento em São Paulo, aonde eu tinha planos. Eu queria vender o apartamento? Sim, queria, mas também queria voltar a morar no centro cosmopolita da cidade, retormar o planejamento feito há mais de 10 anos: morar em São Paulo.
Vender o apartamento não estava de acordo com minha Verdadeira Vontade e não adiantaria fazer sigilo, pagar servidor, pedir encarecidamente ao meu guia para isso acontecer (imagino quanto ele deve ter rido da minha cara, aliás).
Eu queria voltar, eu queria reconquistar aquele apartamento, reconquistar aquela cidade.
Reforma
Comecei a reforma. A reforma para acabar com todas as reformas. Decoração, tudo aquilo que eu sempre quis ter em uma casa: sanca de gêsso, papel de parede, cozinha planejada. Estourei minhas finanças, negociei, parcelei, pechinchei, quase deixei coisas importantes para depois, mas fiz.
Foram tempos duros. Não dormia de ansiedade, botava vídeos de binaural no youtube, barulho de chuva, o diabo que fosse. E mesmo assim dormia de 3 a 5 horas por noite.
Cheguei a pintar alguns cômodos da casa e enquanto pintava eu me via reconquistando-a para mim, um cômodo por vez. Era como se simbolicamente eu acariciasse o lugar e o domasse. Esse lugar vira muito sofrimento, esse lugar que vira muitas lutas, esse lugar que ficara abandonado e purgando por dois anos, agora tinha novamente um dono. Eu. Era o meu apartamento, esse era o meu lar.
A Mudança
Por fim, o dia da mudança. E com emoção. A pessoa que contratei achou que dava para fazer a mudança toda em uma van escolar. Resultado: duas viagens, móveis quebrados, dependendo da clemência do porteiro para entrar depois do horário.
Eu já havia encaixotado boa parte da mudança, todos os meus livros. Fazia viagens para São Paulo por qualquer motivo e levava duas sacolas cheias e uma mochila nas costas. E fiz bem: não havia garantia nenhuma que os copos chegariam ilesos depois disso.
Levei peso. Estressei os braços. Nos primeiros dias após a mudança eu quase chorei de cansaço.
Os braços doíam, o corpo doía, eu queria deixar as coisas para depois, mas sabia que não podia. Não havia ninguém para segurar a barra. A música agora era outra, e quem tocaria era eu.
Desmontar a mudança, montar móveis, desencaixotar coisas, cuidar dos cães que estavam apavorados pq o mundo deles também havia sido virado de pernas para o ar. Tá, eu também estava apavorado, a diferença era que os cães demonstravam. Afinal você vive dois anos confortavelmente instalado em um lugar e, de um dia para o outro, não consegue encontrar nem o shampoo para lavar o cabelo. E bate aquele remorso, a dúvida, nascida do súbito desconforto, do porquê ter feito tudo aquilo.
Mas eu chorava com um sorriso no rosto.
Eu estava assustada mas com um sorriso no rosto.
Eu podia estar em completo pânico, mas ainda tinha aquele sorriso no rosto.
Eu chorava por um momento duro, e não por uma vida sem sentido.
E eu sabia muito bem de quem era aquele sorriso.
O quanto me custava e o quanto eu queria protegê-lo.
A pessoa que vibrou dentro de mim quando tomamos a decisão de voltar à França.
A parte de mim que sorri.
De volta
Aqui estou de volta do exílio na Ilha de Elba.
Volto maior, mais convicto, mais confiante.
Reconciliei com meu guia durante esse período e reencontrei minhas pessoas perdidas.
Volto com os mesmos conflitos a resolver (curioso que um deles veio me saudar já no primeiro dia) para a gente aprender que não adianta fugir de conflitos: ou vc os vence, ou é vencido por eles. E recomeça do último savepoint.
A diferença é que agora eu sei que posso vencê-los.
Estamos em uníssono.
Estamos acima.
Estamos imunes.
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