Do meu avô paterno posso dizer: era um trabalhador.
Cabeça chata, pernambucano, comedor de calango, foi uma pessoa que carregou o seu mundo nas costas enquanto peregrinava do sertão até chegar a São Paulo.
Arranjando trabalho em cada cidade, trabalhando nas mais diversas profissões, gosto de pensar que, a seu próprio modo, ele também viveu grandes aventuras.
Não com o glamour europeu, mas com a simplicidade e objetividade do homem da roça, experimentado na vida.
Lamento apenas que o tempo o tivesse desgastado e tornado uma pessoa amarga, ciumento dos bens que adquiriu. Talvez pq cada bem ali tivesse uma parte de sua história que a gente não podia compreender.
Da minha avó paterna posso dizer: era uma integradora.
Presidia a mesa aos domingos, aonde todos se reuniam para o almoço familiar e, depois, a prática do rito que eu chamava de 'café com maledicência'.
Enquanto meu avô era a presença enérgica, ela era a presença sutil. E por mais desimportante que isso possa parecer, eu acredito que ela era toda a razão para meu avô continuar lutando.
Da minha avó materna, posso dizer: era uma inquieta.
Sempre à busca de novas formas de garantir o seu pão, orgulhosa em nunca aceitar o auxílio dos filhos, era uma pessoa que carregou a chama da vida sempre acesa, até minutos antes de sua partida.
Era benzedeira, e tenho certeza de que muitos segredos se perderam com ela quando se foi.
Do meu avô materno, posso dizer: era um companheiro.
Da mesma forma que minha avó paterna, o seu grande papel era fornecer ao cônjuge a motivação para seguir em frente.
Do meu pai, posso dizer: é um pusilânime.
Alagoano, peão de fábrica, trabalhador simples. Acostumou-se por tanto tempo a lhe dizerem o que fazer que duvido que tivesse uma ideologia para chamar de sua. Cumpriu
o seu papel de pai, a despeito de tudo. E esse é seu único e indiscutível mérito.
Da minha mãe, posso dizer: é uma batalhadora.
Cuidava da sua roça em Ponte Nova (MG) logo que aprendeu a andar. Veio para São Paulo aos nove anos de idade e não sossegava se dependesse de alguém para qualquer coisa.
Andava no meio do mato dizendo o nome de cada planta que visse pela frente. Sabia dar nome ao mais relés capim-gordura. Aonde tudo que eu via era mato, ela via diversas possibilidades de alimento e cura. Contudo, o trabalho era uma fuga de sua constante depressão e sentimentos hipocondríacos. Ia aos médicos que apenas receitavam psicotrópicos sem idéia do que estavam fazendo.
Por anos, foi uma pessoa que acordava de manhã, resmungava até o almoço, tomava umas pílulas, e ia dormir.
Registro nesse momento a memória dos meus ancestrais para que não se perca.
Aproprio-me de seus valores e crenças e desfaço-me das amarras que os prenderam.
Que sua memória persista em mim e em meus descendentes.
Pela ordem:
José Pereira de Oliveira (in memorian)
Cecília da Silva Oliveira (in memorian)
Carlinda Aleluia Alves (in memorian)
Raimundo Telesforo da Silva (in memorian)
Luiz Silva de Oliveira
Custódia Batista da Silva
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