quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

E depois?

Terminei minha lista de tarefas do dia.

E agora amaldiçoo cada minuto daqui até a hora de dormir.

Penso em ocupar esse tempo com algo que não seja destrutivo.

Que não seja sexo, álcool, jogos, comida...

e depois?


Penso em aprender algo novo, algo que me cative...

Algo que me diga que eu não preciso só aguentar esse dia

que preciso fechar essa semana

que precise aguentar esse mes

que precise fechar esse ano

que só tenha que aguentar essa vida

E DEPOIS???


Em 3 anos eu quito esse apartamento

E DEPOIS???


Em 11 anos terei uma posição financeira confortável

E DEPOIS???


Essa cenoura balançando à frente do nosso focinho

como um escárnio, uma zombaria e uma bênção

pois no momento que a alcançarmos iremos

perguntar a nós mesmas: Okay, peguei, E DEPOIS?


E o DEPOIS é uma denúncia.

E o DEPOIS é um vazio a ser preenchido e ninguém 

tem a peça no formato próprio para isso.

Como teria? Apenas você conhece a forma do seu vazio e

a única pessoa que pode preenchê-lo é a própria

pessoa que observa o silêncio esperando respostas.


Ninguém pode dar essa resposta.

Por que essa resposta vinda de fora de nos define e o 

que somos nós senão um vazio esperando ser preenchido?


Durante o expediente sou arquiteta... e depois?

Durante um casamento fui um marido... e depois?


E quando ninguém fala o que vc é e esses rótulos escorregam

facilmente sem aderir a um vazio que não foi preenchido?


Emprego

Jogos

Comida

Sexo

Drogas

Outra pessoa

... nada.


Sentir só é aterrorizante.

Ser só é maravilhoso.

É espetacular e esse espetáculo é tocado por nós.

Quem dá o ritmo, quem dá as notas.


Lembrando do primeiro amanhecer em um porão vazio.

Havia acabado de me mudar e o cômodo ainda cheirava a

material de construção da reforma que havia terminado na véspera.

Era um porão habitado apenas por uma cama, um guarda-roupa

e um baú que usava de criado-mudo.


Lembro que meu primeiro pensamento foi: 

Onde é que foi todo mundo???

E a resposta que veio: 

É, agora a música é outra.

E é vc quem toca.


Quem dá o significado é VOCÊ.

Quem cria a peça que falta é VOCÊ.

Quem escreve o DEPOIS é VOCÊ.


E DEPOIS a gente aprende uma nova linguagem.

E DEPOIS a gente perde peso.

E DEPOIS compra roupas novas.

E DEPOIS aprende a tocar um instrumento.

E DEPOIS cria um significado.

E DEPOIS recorta uma peça do nosso próprio medo.

E DEPOIS usamos essa peça para curar nosso vazio.

Para responder a um silêncio que não tem nada para nós

e, pelo contrário, espera o nosso pronunciamento.


Esse foi 2022... e depois?


O depois a gente está escrevendo.


Boas festas.

Um espetacular 2023 para vocês.



James Cleverson McBryan (Filho Astuto de Bryan)

Laura McBryan (Filha Faceira de Bryan)


domingo, 29 de maio de 2022

E tudo começou com um Big Bang...

Terminei hoje TBBT.  E devo dizer que suou um pouco os olhinhos.

Essas últimas temporadas foram um terror.  Em 24 episódios por temporada, aguentando boa parte deles sendo filler e mesmo naqueles que avançavam algum plot, era material espalhado por outros que vc sabia que iam terminar exatamente como começaram. Howard compra uma scooter, mas vende-a antes do episódio terminar, não se preocupem, podem seguir adiante, isso muda absolutamente nada.


Acompanhei o plot do Stuart, que foi promovido de decoração de fundo de tela a personagem relevante. Foi um reboot dos antigos personagens, introduzido no meio da série para lembrar quem eram os protagonistas no início e tentar resgatar a magia e a conexão com aqueles que, no início da série, eram tão nerds quanto Leonard.


O plot de Rajesh e Howard.  O segundo melhor caso de bromance que eu conheço pelo menos, só perdendo para Scrubs.  Rajesh, no caso, que sempre foi um sidekick, sendo privado de todas as oportunidades de se ver livre da sombra de Sancho Pança para o Dom Howard Quixote.  O personagem dele só foi levado a sério tarde na série (lembrando que no início ele não era nem permitido falar), mas mesmo assim continuou com o estigma de coadjuvante e escada para Howard.


O plot de Leonard.  O personagem do Leonard é o que mais passou por transformações e questionamentos pela série.  Pensado, inicialmente, como protagonista, ele logo foi eclipsado pelo personagem do Sheldon e suas excentricidades.  Por mais que Sheldon tenha evoluído ele ainda precisava ficar caricato pq isso dava apelo à série.  Leonard, ao contrário, estava livre dessa restrição e em seus questionamentos buscava a identificação com a platéia que, desde o primeiro episódio, entendia seu anseio em fazer parte do mundo sem ter o mínimo preparo para isso.  Leonard QUERIA fazer parte do mundo e lutou por isso.  Evoluiu como pessoa, conquistou a moça bonita, conquistou uma família, conquistou seu espaço e seu lugar para sentar à mesa.

Devo dizer que o final do plot de Leonard e sua mãe foi um dos momentos que me trouxe suor aos olhinhos.


Sheldon, como disse acima, sempre se manteve caricato.  Mas os poucos momentos que lhe foi permitido ser um humano tridimensional geraram cenas marcantes.  É um personagem com pouquíssimo skill social e no decorrer da série percebe isso justamente quando seu mundo migra de um conjunto de pessoas iguais a ele a uma dicotomia de gente de todos os sexos e inclinações e carregando, eles também, sonhos.


Penny é excelente.  Na última temporada, particularmente, apreciei muito a interpretação dela e é incrível como ela se lança de corpo inteiro em uma cena.  As cenas que ela enriquece com seus olhares, gestos e expressões.  Eu vi isso nos primeiros minutos em que assisti "The Flight Attendance" e estou vendo que será minha próxima série de maratonagem.

Kaley Cuoco te amo com todos os 15% heteros de meu ser.


É isso.  Gostei moderadamente da série, não pretendo fazer um rewatch e não é uma das que pretendo baixar para salvar do apocalipse Zumbi.  Mas vou sentir falta da presença deles acompanhando minhas refeições e nesse momento sinto aquele vazio de quem se despede de amigos.


"Soft kitty, warn kitty, little ball of furr..."

domingo, 21 de novembro de 2021

Crônicas Metropolitanas: Dia 1

 

E vem aquele dia em que um idoso entra no trem.
E já vem seco para pegar o seu lugar de direito, não raro ocupado por meliantes adolescentes sem qualquer respeito pelas conquistas e direitos da classe geriátrica.
Esse idoso entra no vagão, e está pronto para enxotar um fedelho qualquer, fazer valer seu direito por uma última vez (quem sabe?) na vida.
E quem está sentado no seu lugar???? Um OUTRO idoso.
(Sim, pq existe mais de um deles pela cidade).
O recém-chegado, frustrado no seu intento, fica medindo o pacífico idoso sentado, tentando descobrir quem tem mais direito ao assento.
O novo idoso (se existe isso de 'novo idoso' ou 'velho idoso') olha o possuidor de seu legítimo assento com aquela cara de:
"Quem é mais idoso aqui, você?!? Garoto, na sua idade eu lutei na guerra, e expeli 3 (isso mesmo TRÊS) pedras pela bexiga. E votava na ARENA. Quando você gritava DIRETAS JÁ, eu gritava DIRETAS ATÉ QUE ENFIM."
E o outro idoso, bovinamente sentado, olha por um momento para duas pepitas sanguinareas
que eram os olhos do novo idoso prontos a lhe fulminar.
E o circo está armado para a mais lenta briga de galos velhos da história.

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Ridículo

Quero ser ridículo por uma noite que seja. E para ser ridículo não se precisa platéia.
Basta apenas cantar-se alguma melodia antiga.
Para ser ridículo em silêncio pode-se dançar lentamente no centro da sala, pode-se ensaiar passos novos para não mostrá-los a ninguém.
 
Passos de dança que o façam menos ridículo e mais notório.
 
Passos que te encerrem o rosto entre os braços, que nas evoluções lhe ocultem a alma, não se deixe ver além da borda das vestes o coração.
 
Para ser ridículo precisa-se ainda de um certo zêlo em manter aquilo que todo mundo já reputou por perdido. Ainda guardar o amor, ainda colecionar figurinha, ainda ter videocassete. Para ser ridículo assim como eu, muitos desafios foram vencidos.
 
Para ser ridículo com naturalidade basta rabiscar algo em uma mídia que ninguêm lê.
 
 
 
E observar sozinho. 
 
 
 
As letras sumindo à distância.
 
 
 
(twitter: 11/11/2011)

domingo, 10 de outubro de 2021

Rádio GaGa

 

O ano é 2016, século XXI, planeta Terra.

(Terra é aquele planeta da esquerda quando vc tenta sair de Alpha Centauri para Aldebaran mas, por algum motivo, perde a saída certa.)
 
Ouvindo Scalla FM no ShoutCast.
Aquela rádio que gente velha (como eu) deixava tocando o dia inteiro.
"Easy Listening", é como chamam hoje em dia.
Naquele tempo era música ambiente.
Eu aqui ouvindo a rádio e percebo como sou velho.
Aparelho de rádio para mim tem que ter:
- um botão liga-desliga;
- um botão de volume (pode ser o mesmo liga-desliga);
- um botão para trocar de estação;
e nada mais.
O cúmulo da modernidade para mim seriam os botões digitais Up e Down para o volume e para a troca de estações. Ah, e um botão Scan só para passar todas as estações e gravar na memória, mas aí sei que estou complicando.
Eu sei o que não quero: sites/apps aonde vc tem que dar 20 cliques até conseguir ouvir uma emissora, e mais 5 cliques para trocar caso não goste.
Isso tira todo o prazer de se vadiar pelo dial pegando cada música pela metade e cantando o restante enquanto procura a próxima.
Por favor, não me entendam mal: não quero a volta do chiado entre as estações, nem sou contra um display mostrando a emissora atual e o que está tocando. Mas quero que isso seja tão simples quanto... um rádio. Taí, sou velho.
 
Agora só me resta sentar à soleira da porta e brigar com os moleques jogando bola nas minhas petúnias.

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Balança digital

 Tenho uma balança digital.  Daquelas bem baratinhas, fabricação chinesa, comprada em um armarinho qualquer.

Ela me acompanhou por todo o processo de emagrecimento, desde os 120kg (de vez em quando ela apontava #ERROR quando eu subia) até os 87kg no começo desse ano.  De vez em quando eu a via oscilar entre uma faixa de peso e outra mas acabava se decidindo e carimbando um valor: pronto, esse é seu peso.




E de uns tempos para cá dei de duvidar dela.

Por um lado eu sei bem que mensurar uma grandeza analógica através de um mecanismo digital sempre envolve alguma extrapolação e criatividade por parte da bichinha.

Por outro lado essa criatividade começou a me deixar desconfiado(a).

Eu subia na balança digital: 88.6kg

Ok, vamos lá.

(segue-se uma semana fazendo apenas duas refeições por dia, sendo desjejum mais um almoço que era mais de 70% alface temperada apenas com minhas lágrimas).

Subo na balança: 88.6kg

Ôh, diacho.

Almoço um PF de pedreiro farto, do tipo que alimentaria uma família em necessidade e ainda tomo uma cerveja.

Balança: 88.6kg

(Mas que diabos essa balança está fazendo?)

Comecei a tecer diversas teorias: que o sensor estava precisando ser trocado, que a pilha estava fraca, que o chão estava desnivelado...

Balança: 88.6kg

(não importa o que eu faça vc vai insistir nisso?  Peraí...)

Balança: 88.9kg

(ah, agora mudou.  Mas não gostei, volte àquele valor e conversamos...)

Balança: 88.6kg

(tá, agora perdi a fé em vc definitivamente.)

E nada do peso abaixar dessa marca, não importava o que eu fizesse.

Resolvi comprar uma balança analógica.  Grandezas analógica, balança analógica.  Como Odin sempre quis.

No primeiro dia, coloquei a nova balança do lado da antiga, agora desacreditada, infame balança digital.

Regulei a balança analógica e subi nela: 87kg

Desci, conferi a regulagem, subi novamente: 87kg

Expremi os olhinhos, contei as barrinhas entre o 85 e o 90 para ter certeza.

Balança analógica: 87kg, caralho!

(a balança digital assistia a tudo indiferente)

Tá bom, vamos na digital agora:

87...... 87,95kg

E no final das contas a fdp não deu o braço a torcer.

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Dos meus ancestrais


Do meu avô paterno posso dizer: era um trabalhador.

Cabeça chata, pernambucano, comedor de calango, foi uma pessoa que carregou o seu mundo nas costas enquanto peregrinava do sertão até chegar a São Paulo.

Arranjando trabalho em cada cidade, trabalhando nas mais diversas profissões, gosto de pensar que, a seu próprio modo, ele também viveu grandes aventuras.  

Não com o glamour europeu, mas com a simplicidade e objetividade do homem da roça, experimentado na vida.

Lamento apenas que o tempo o tivesse desgastado e tornado uma pessoa amarga, ciumento dos bens que adquiriu.  Talvez pq cada bem ali tivesse uma parte de sua história que a gente não podia compreender.


Da minha avó paterna posso dizer: era uma integradora.

Presidia a mesa aos domingos, aonde todos se reuniam para o almoço familiar e, depois, a prática do rito que eu chamava de 'café com maledicência'.

Enquanto meu avô era a presença enérgica, ela era a presença sutil.  E por mais desimportante que isso possa parecer, eu acredito que ela era toda a razão para meu avô continuar lutando.


Da minha avó materna, posso dizer: era uma inquieta.

Sempre à busca de novas formas de garantir o seu pão, orgulhosa em nunca aceitar o auxílio dos filhos, era uma pessoa que carregou a chama da vida sempre acesa, até minutos antes de sua partida.

Era benzedeira, e tenho certeza de que muitos segredos se perderam com ela quando se foi.



Do meu avô materno, posso dizer: era um companheiro.

Da mesma forma que minha avó paterna, o seu grande papel era fornecer ao cônjuge a motivação para seguir em frente.


Do meu pai, posso dizer: é um pusilânime.

Alagoano, peão de fábrica, trabalhador simples.  Acostumou-se por tanto tempo a lhe dizerem o que fazer que duvido que tivesse uma ideologia para chamar de sua.  Cumpriu

o seu papel de pai, a despeito de tudo.  E esse é seu único e indiscutível mérito.



Da minha mãe, posso dizer: é uma batalhadora.

Cuidava da sua roça em Ponte Nova (MG) logo que aprendeu a andar.  Veio para São Paulo aos nove anos de idade e não sossegava se dependesse de alguém para qualquer coisa.

Andava no meio do mato dizendo o nome de cada planta que visse pela frente.  Sabia dar nome ao mais relés capim-gordura.  Aonde tudo que eu via era mato, ela via diversas possibilidades de alimento e cura. Contudo, o trabalho era uma fuga de sua constante depressão e sentimentos hipocondríacos.  Ia aos médicos que apenas receitavam psicotrópicos sem idéia do que estavam fazendo.

Por anos, foi uma pessoa que acordava de manhã, resmungava até o almoço, tomava umas pílulas, e ia dormir.


Registro nesse momento a memória dos meus ancestrais para que não se perca.  

Aproprio-me de seus valores e crenças e desfaço-me das amarras que os prenderam.  

Que sua memória persista em mim e em meus descendentes.



Pela ordem:


José Pereira de Oliveira (in memorian)

Cecília da Silva Oliveira (in memorian)

Carlinda Aleluia Alves (in memorian)

Raimundo Telesforo da Silva (in memorian)

Luiz Silva de Oliveira

Custódia Batista da Silva